Experiência
Traga sua carne! Cervejaria curitibana tem espaço gratuito para churrasco
Uma nova maneira de consumo começa a aparecer, ainda que de forma tímida, em Curitiba: estabelecimentos que vendem bebidas e permitem que o cliente traga sua própria comida. A prática é relativamente comum em alguns locais dos Estados Unidos — existem cervejarias no distrito do Brooklyn, em Nova York, que por não terem licença para vender comida disponibilizam gratuitamente churrasqueiras para seus clientes, por exemplo. A modalidade é conhecida pela sigla BYOF, um acrônimo para a frase “bring your own food” (em português, “traga sua própria comida”).
É parecido com o que acontece na cervejaria Swamp, localizada no bairro do Boqueirão. No entanto, segundo o estabelecimento, a iniciativa não foi importada de algum modelo gringo, mas partiu da própria demanda dos clientes. “Fomos induzidos”, se diverte Eduardo Wamser, um dos sócios do negócio. “Quando o movimento era menor, nós costumávamos fazer um churrasco para os clientes. Aí ficava aquela coisa entre eles, alguém dizia ‘a próxima vez deixa que eu trago a carne’, e fomos aumentando a estrutura para esse tipo de ação. Foi uma ideia que a gente teve para aumentar o tempo de permanência do cliente aqui dentro”, explica ele.
Desde então, o número de pessoas que frequenta o lugar aos sábados, dia em que as churrasqueiras normalmente estão liberadas, não parou de aumentar. “Uma vez tivemos aqui um show da banda Djambi e veio muito mais gente do que estávamos preparados para receber. Tivemos que sair às pressas para comprar umas dez churrasqueiras de tambor, porque todo mundo trouxe carne e não tinha onde assar”, diz Eduardo, entre risadas.
Não existem regras específicas para o uso. Basta chegar com a comida, o carvão, os acessórios e ocupar o espaço. “Já teve gente que trouxe fogãozinho elétrico para fazer um cozido”, conta o empresário. Se esquecer de levar algo, também não tem problema. O ambiente é tão colaborativo que as pessoas costumam dividir tudo o que trazem, incluindo a carne. “Hoje estou assando um carneiro e devo comer somente uns 20%. O resto vou servir aqui para os outros”, diz o representante comercial Rodrigo Françozi, um habitué do local. “É bem comum isso. Começa a conversar, oferece uma carne. Acaba virando um lugar para passar o tempo, não só para beber cerveja”, diz ele.
De fato, o ambiente é propício à confraternização de pessoas que nunca se viram antes. Françozi estava com a mulher, Jessica, e pouco antes de ser abordado pela reportagem ensinava um homem a usar uma das churrasqueiras portáteis espalhadas pelo local. Mais tarde, conforme o prometido, era possível vê-lo oferecendo tiras de carneiro a outras pessoas e, logo depois, cedendo o lugar que ocupava ao pessoal que acabava de chegar por ali. Um deles era o publicitário Caíque Mazanek, mais um frequentador assíduo do local, que desta vez veio acompanhado de toda a família. Segundo ele, essa gentileza é a marca dos eventos no local. “E em Curitiba, ainda!”, diz surpreendido. “É como a ilha de Lost”, brinca ele.
Essa ideia de camaradagem é reforçada pelos amigos Emerson Bassani, Rodrigo Seger, Erik Manosso e Felipe Sotille, todos ocupando uma das churrasqueiras de alvenaria do lugar. “Hoje mesmo ajudei um cara a cortar carne”, conta Emerson. “Teve uma vez em que estávamos aqui, nossa carne acabou, e o sujeito do lado, que não conhecíamos, dividiu a dele com a gente”. Segundo ele, também é comum dividir a churrasqueira com desconhecidos.
O clima de descontração ajuda não apenas a criar novas amizades, como também até a juntar casais. Luciano Simão e Marister Oliveira são um exemplo. Eles contam que a relação começou exatamente em um evento como aquele, realizado em uma cervejaria artesanal. O casal, que é morador do bairro, aproveitou o sábado para trazer as crianças para o local. Todos vieram de bicicleta. “A gente deixou de almoçar em casa pra comer aqui. Eu acho que muita gente faz isso”, diz Luciano.
“É tudo muito familiar”, continua ele. “Nesse tipo de lugar você não vê confusão como em outros eventos, como no Carnaval e na Oktoberfest. Eu já acompanhei o nascimento de crianças de casais que foram formados em eventos feitos por cervejarias”, conta.
Segundo ele, existe uma certa reserva de quem vem ao lugar pela primeira vez. “O cara novo sempre fica um pouco tímido. Por exemplo, tem um sujeito sozinho em uma mesa. Mas de repente ele começa a tomar uma ou duas cervejas, senta no balcão para conversar e, quando vai ver, ele já está comendo carne com alguém.”
“O pessoal é muito aberto”, opina Marister. “Já aconteceu várias vezes de a gente vir com amigos e decidir na hora fazer um churrasco aqui. A gente vê se tem churrasqueira liberada, um dá o carvão que sobrou, outro empresta alguma coisa, um terceiro sai comprar carne”. “A gente faz churrasco em casa também, mas aqui é melhor”, diz Luciano.
Além de unir a comunidade, a empreitada também tem um papel social. Eduardo explica que a cervejaria aproveita o movimento para realizar ações como a arrecadação de livros para escolas. A próxima iniciativa nesse sentido foi batizada de “Brewing For Change” e será realizada em conjunto com a Associação dos Cervejeiros Caseiros do Paraná (Acerva-PR). Segundo Eduardo, a ideia é reverter todo o lucro de uma nova cerveja, feita especialmente com essa finalidade, para a reforma da sala de informática do colégio Maria Rosa, próximo ao local, assim como a compra de uniformes para as aulas de educação física. “É uma forma de retribuir o que o bairro dá para a gente”, afirma.
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